uns choram, outros vendem lenços

Sinuhe LP

Onde se lê lãs, flanelas e cobertores também é a casa do coveiro do Cemitério da Saudade. São duas décadas vividas dentro dos campos santos, seu Adamastor é morador. E gosta. Pegou gosto com o pesar dos anos. Um dia descobriu a invasão. O cemitério é alvo popular durante o dia. À noite? Há mais vivos que mortos. Mesmo com expediente encerrado, muitos pulam as ínfimas cercas e dormem na propriedade. Muitos versus Adamastor, que não deixa ninguém entrar. Em maus lençóis, vivia encafifado porque os inumeráveis pernoitavam. No inverno cujas lápides de mármore esfriam, teve nova descoberta. De madrugada, ouvia roncos e miados, mas forte mesmo eram os dentes batendo de frio. E seu Adamastor cobriu os desamparados com lãs, flanelas e cobertores no cemitério. Onde todos dormem.

Ilustração de Ana Zequin