O professor e o mar

Sinuhe LP

Não se deve acordar um sonâmbulo: ele pode assustar e quebrar o pescoço. No primeiro dia da abertura total da cidade curada, o prof. de português acordou cedo e se rumou à escola. Adormecido de uma véspera áspera, errou o caminho e cruzou a praia. Um giz na mão, olhou para o mar e lembrou a sua primeira aula da vida. Uma placa fincada na areia dizia “Perigo, prof”. Foram tantas incertezas. Pela primeira vez, ficou sem as palavras e se viu ouvinte. Mudo e úmido. Sozinhos. O mar verde-lousa não parou. Imóvel como a placa e o mar, mergulhando-se, pensou: é o mesmo lugar desde sempre, é isolado. É o mesmo lugar para sempre, é expansivo. Gizes, espumas, cabelos. Ao ver o mar boquiaberto, prof. achou que mar verbo fosse. E nas ondas se conjugaram: mar — verbo transitivo.

Ilustração de Ana Zequin